O Rei Não Dito: Como a Retórica Antiga Molda a Compreensão do Pentateuco
Um estudo aprofundado revela que a ausência do título "rei" para YHWH na prosa do Pentateuco é uma estratégia retórica deliberada, baseada em premissas implícitas de realeza divina e obrigações multigeracionais.
Syracuse, NY – Uma pesquisa inovadora, conduzida por James W. Watts da Syracuse University, lançou nova luz sobre uma curiosa discrepância na Bíblia Hebraica: o Pentateuco retrata Deus (YHWH) agindo como um rei, mas quase nunca lhe atribui explicitamente o título de "rei" em sua prosa, em contraste marcante com muitas outras partes das escrituras hebraicas. O estudo, publicado no
Omissão não é um acaso
Journal of Hebrew Scriptures, sugere que essa omissão não é um acaso, mas sim uma poderosa estratégia retórica conhecida como entimema.
O entimema, um conceito retórico antigo que remonta a Aristóteles, refere-se a argumentos onde uma ou mais premissas são deixadas implícitas, pressupondo que a audiência já as compreende ou acredita nelas. Segundo Watts, a premissa não declarada de que YHWH é o rei de Israel fortaleceu a força persuasiva da prosa do Pentateuco. Essa abordagem evita trazer à tona possíveis problemas ou desafios que uma declaração explícita da premissa poderia provocar.
O Pentateuco descreve YHWH comportando-se como um soberano, lutando pelos israelitas contra exércitos, estabelecendo uma aliança moldada em tratados de suserania antigos e ditando leis e instruções rituais. No entanto, a prosa pentateucal, tanto narrativa quanto instrucional, evita completamente o uso de linguagem real para Deus. Essa característica difere notavelmente dos Salmos e da poesia profética, que proclamam abertamente a realeza e o domínio de YHWH.
Tratados antigos
A pesquisa de Watts sugere que a ideologia imperial de realeza, presente nos tratados de suserania hititas e neoassírios, molda as premissas implícitas subjacentes à retórica do Pentateuco. Nesses tratados antigos, os suseranos enumeravam seus atos benéficos em favor de seus súditos antes de exigir lealdade e obediência. Além disso, esses acordos frequentemente estendiam suas reivindicações a gerações futuras, criando uma obrigação multigeracional. O Pentateuco replica essa lógica, com YHWH resgatando Israel do Egito e estabelecendo uma aliança no Sinai, cujas obrigações se estendem "por todas as suas gerações".
A ausência explícita do título de "rei" para YHWH na prosa pode ser explicada pelo desejo de apresentar essa realeza como conhecimento comum, tornando-a menos suscetível a contestações. Como observam Fabrizio Macagno e Giovanni Damele, premissas não declaradas têm o efeito de "transferir o ônus de produzir evidências" para a outra parte, tornando a proposição tentativamente comprovada se não for refutada.
História tumultuada entre reis e profetas nos livros bíblicos de Reis reflete essa tensão contínua
A implicação da realeza de YHWH foi expressa e desafiada em outras partes da Bíblia Hebraica, como no Livro de Samuel, onde o pedido de Israel por um rei humano é visto como uma rejeição a YHWH. A história tumultuada entre reis e profetas nos livros bíblicos de Reis reflete essa tensão contínua.
Curiosamente, a poesia do Pentateuco não se esquiva de proclamar a realeza de YHWH. Em textos como o oráculo de Balaão (Números 23:21) e o Cântico do Mar (Êxodo 15:18), YHWH é explicitamente chamado de "rei" ou seu domínio é afirmado.
Watts explica que a poesia inserida em narrativas frequentemente explicita temas que são apenas implícitos na prosa circundante, e a menção da realeza de YHWH nesses poemas reflete sua ampla aparição nos Salmos de Israel. Além disso, essas proclamações explícitas, inclusive de um profeta estrangeiro como Balaão, reforçam a percepção de que a premissa da realeza de YHWH era amplamente compartilhada e reconhecida, até mesmo por observadores externos.
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Conclusão
O estudo de Watts sugere que, ao deixar implícita a premissa da realeza de YHWH, o Pentateuco não só fortalece sua argumentação sobre a obediência que Israel deve a Deus, mas também evita os problemas políticos inerentes à figura de um governante divino. Em vez de desenvolver as implicações políticas da realeza divina, o Pentateuco dedica-se a definir o povo de Israel como os súditos individuais e coletivos desse governante divino.
Os resultados deste estudo contribuem significativamente para o entendimento da teologia e da retórica do Pentateuco, sugerindo que a implicitação da realeza de Deus fortalece sua autoridade sobre Israel. Esta pesquisa lança luz sobre uma faceta pouco explorada da narrativa bíblica e promete inspirar futuras investigações sobre a teologia e a linguagem política na Bíblia Hebraica.
Fonte
Watts, JW (2018). A premissa não declarada do Pentateuco em prosa: YHWH é rei. O Diário das Escrituras Hebraicas , 18 . https://doi.org/10.5508/jhs.2018.v18.a2
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Autor: Ronaldo G. Silva é Bacharel em Teologia e Professor de Homilética sendo Pós-Graduado em Educação pela UFF. Entusiasta do trabalho de evangelização e divulgação da Palavra de Deus.